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Carvão, a trágica esperança negra

Como no célebre poema de Robert Frost, a humanidade enfrenta hoje um dilema insuportável. Tem que, inexoravelmente, escolher entre dois caminhos sem saber muito bem onde desembocarão um e outro. Mas, diferentemente do poema, cuja conclusão melancólica se dá em razão da escolha mais penosa, o que a humanidade encontrará ao fim do percurso será sempre esalentador, qualquer que seja a escolha.

As recentes perturbações climáticas, que resultaram em temperaturas insuportáveis, são brandos prenúncios do que virá

Há apenas duas classes de energia primária à disposição do homem. Uma é aquela da energia que vem do sol continuamente e que aproveitamos imediatamente ou a curto prazo; é a energia renovável. A outra é a energia fóssil, que foi estocada sob formas diversas no seio da própria Terra e não se renova. Sob esse aspecto, a energia nuclear se inclui entre as fósseis, um fóssil mineral e não-orgânico.

Apenas 16% do total da energia utilizada pelo homem é renovável, sendo somente 6% comercial e os demais 10% produzidos e usados domesticamente. Outros 6% são energia nuclear e os 78% restantes, fóssil orgânica.

Há fundamentalmente dois tipos de fóssil orgânico: os hidrocarbonetos, em que os elementos fundamentais são o hidrogênio e o carbono, e o carvão e seus assemelhados, que são constituídos quase que exclusivamente de carbono, além do mineral em que está absorvido o combustível. Os principais combustíveis constituídos por hidrocarbonetos são o petróleo convencional, o gás natural e os assim chamados petróleo e gás não-convencionais. Dentre eles, os petróleos de águas profundas, os de origem polar, os pesados etc.

De acordo com a análise da Petroconsult (Campbell e Laherrere, 1995) -em sua totalidade confirmada por comitê da Universidade de Reading, Inglaterra, que em 2002 foi composto consultores independentes, empresas de petróleo e governos-, o pico de produção da soma de todos os hidrocarbonetos deverá ocorrer em torno de 2010, apesar de a produção de gás natural só começar a decair em 2030. E em 2050 a produção de hidrocarbonetos terá caído a 60% do que é hoje. Ora, se a demanda por hidrocarbonetos para produção de energia continuar crescendo a 2% ao ano, como vem ocorrendo nestes últimos 20 anos, em 2050 a produção será suficiente para satisfazer só 25% da demanda.

A saída, para muitos, seria recorrer ao carvão, ao xisto, ao betume etc. E existem hoje tecnologias confirmadas para a transformação de carvão em combustíveis líquidos. E os depósitos de carvão são certamente capazes de satisfazer a demanda por combustíveis sólidos, líquidos e gasosos até além de 2100.

Mas, aqui e agora, há uma decisão crucial a ser feita. Se até 2050 não forem reduzidas as emissões de gases de efeito estufa a pelo menos metade das atuais, algumas catástrofes podem ocorrer:

1) flutuações rápidas da temperatura, similares àquelas do período interglacial que ocorreu entre 130 mil e 115 mil anos atrás, com conseqüências trágicas para a agricultura e a pecuária e conseqüente escassez de alimentos;

2) fusão parcial da calota polar norte (Ártico), que já começa a ser observada, resultando em uma redução drástica e súbita da corrente do Golfo, que transfere calor do Caribe para a Europa, o que levaria a uma redução de vários graus centígrados na temperatura média desse continente, com violento impacto na agricultura;

3) condições semelhantes também ocasionaram, no último período interglacial, o degelo parcial da porção oeste da calota polar da Antártica; se viesse a ocorrer novamente, isso resultaria em um aumento de 5 m no nível médio dos oceanos, inundando áreas ocupadas por um terço da população mundial. Os 30 quatrilhões m2 de gelo da calota polar da Antártica, se distribuídos pela superfície da Terra, teriam a espessura de aproximadamente 70 m.

As recentes perturbações climáticas, que resultaram em temperaturas insuportáveis (2.000 mortos só em Paris, há dois anos, por exemplo), invernos agudos, secas exacerbadas e inundações sucessivas em diversas partes do mundo, são apenas brandos prenúncios do que está por vir. As advertências contidas nos itens acima fazem parte de documento a ser tornado público neste ano, de autoria de um grande número de cientistas de todo o planeta.

Todavia aqueles que não vêem outra saída propõem, para amenizar a progressão do efeito estufa, o que se denominou seqüestro e armazenamento do gás carbônico. Poetas e ecologistas propõem o plantio de florestas. Vamos ter que cobrir três quartos da área não submersa da Terra com uma vegetação tão densa como a floresta amazônica para seqüestrar o dióxido de carbono relativo apenas às reservas de carvão. Também não há “buracos” suficientes e nem sequer segurança quanto à contenção do gás que porventura lá for depositado. E o custo? Ninguém ainda pensou muito seriamente sobre isso.

A alternativa que resta também é indigesta. A saber, a conservação tradicional, a economia de energia, com a bicicleta, o turismo pedestre, a carroça, a caravela, o monjolo e o fogão a lenha.

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