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Alimentos com selo para carbono no Reino Unido

Você gostaria de ver rótulos de “carbono” em sua comida? Os rótulos já mostram o conteúdo de gordura, sal e açúcar, entre outras coisas. Agora, muitas empresas e varejistas alimentícias britânicas planejam adicionar rótulos mostrando a quantidade (em gramas) de emissões de dióxido de carbono (CO2) associadas com a produção e transporte dos alimentos e outras mercadorias.

Os primeiros desses rótulos apareceram em abril passado nos pacotes de salgadinhos Walkers. A rede de farmácias britânica Boots colocará os rótulos de carbono em alguns de seus xampus de marca própria a partir de julho. Esses rótulos foram criados em conjunto com a consultoria ambiental Carbon Trust, financiada pelo governo britânico. A rede varejista Tesco, a maior do Reino Unido, também anunciou planos para aplicar os rótulos de carbono em sua linha de produtos e outras empresas planejam fazer o mesmo.

Caso a idéia funcione, os rótulos permitirão aos compradores escolher os produtos com o rastro de carbono, além de comparar os alimentos locais e importados, e os que são cultivados com ou sem aditivos sintéticos.

As afirmações de que alguns alimentos consomem mais energia em sua produção e preocupações sobre a distância de transporte terão um “quadro muito mais inclusivo e definido”, diz Euan Murray, da Carbon Trust.

Calcular o carbono de um produto está longe de ser uma tarefa fácil. Ao contrário do conteúdo de gordura ou açúcar, ele não pode ser medido diretamente. As análises acadêmicas do ciclo entram em detalhes meticulosos, como, por exemplo, as emissões associadas à construção das fábricas nas quais o alimento é produzido. Fazer isso para milhares de produtos é uma tarefa descomunal. O segredo, afirma Murray, é encontrar o equilíbrio certo entre rigor e metodologia, que funcione em milhares de itens. A abordagem do Carbon Trust, por exemplo, buscará incluir o CO2 emitido na produção, mas não a dos funcionários locomovendo-se ao local de trabalho.

Os rótulos pretendem mostrar as emissões de carbono associadas com a fabricação, empacotamento, transporte à loja e seu descarte. Como os pacotes de salgadinhos entregues a lojas mais distantes terão percorrido um maior trajeto a partir da fábrica, os auditores usam a distância média para calcular as emissões com transporte. Da mesma forma, serão calculadas as médias nacionais de reciclagem, incineração ou envio a aterros dos produtos descartados.

Os rótulos pretendem mostrar as emissões de CO2 com a fabricação, empacotamento, transporte e descarte

Os rótulos não contam a energia para refrigeração, iluminação e aquecimento das lojas. Também não incluem emissões com o uso do produto. A emissão com o cozimento de batatas, por exemplo, não entra na conta. Colocar a tampa da panela ou não teria mais influência do que a forma como são cultivadas, ou ainda, do que o local em que são produzidas, localmente ou não. Da mesma forma, o xampu ficaria mais dependente do tempo em que se passa no chuveiro ou da temperatura da água e da qualidade do aquecedor. Fatores como esses não poderiam entrar no rótulo de carbono, então não são incluídos, segundo Murray.

Uma área difícil para se encontrar um modelo é o setor agrícola. Algumas fontes de emissões agrícolas, como o consumo de eletricidade em um galpão de gado leiteiro, podem ser diretamente calculadas. Outras, como as emissões de óxido-nitroso do solo e as emissões de metano dos animais, não. Para estes últimos, são usados modelos matemáticos, diz Adrian Williams, cientista agro-ambiental da Universidade de Cranfield , no Reino Unido. Esses modelos, contudo, contém suposições com as quais nem todos concordam. Um recente estudo financiado pelo Defra, a agência ambiental britânica, descobriu que alguns alimentos orgânicos têm mais rastro de carbono do que os convencionais. O resultado foi criticado pela Soil Association, principal grupo de pressão dos chamados produtos orgânicos, que questionou os modelos usados nos cálculos.

Para complicar mais, as emissões de metano (CH4) e óxido-nitroso (N2O) das fazendas têm um potencial muito maior para provocar o superaquecimento do planeta do que as de CO2. Esses gases são levados em conta com sua transformação em volume de “dióxido de carbono equivalente”, por meio de fatores de conversão fornecidos pelo IPCC, o órgão da ONU para mudanças climáticas. A quantificação das emissões de óxido-nitroso, contudo, ainda não é bem compreendida, segundo Williams, portanto não está claro ainda qual modelo deve ser usado.

Um acordo sobre a melhor forma de se calcular o rastro de carbono dependerá de debates entre cientistas, varejistas, agricultores e lobistas, entre outros.

O Carbon Trust já iniciou uma consulta, que deverá levar um ano. Neste mês, houve um encontro no Environmental Change Institute, da Universidade de Oxford, que avalia a rotulagem para a Tesco. Um acordo é vital porque os rótulos apenas serão úteis se houver um padrão comum. De outra forma, os consumidores não poderiam comparar nem maçãs com maçãs.

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