Mercado

Setor privado teme exigências de países ricos para obter acordo na Rodada Doha

O diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy, deve decidir até segunda-feira se convoca a abertura de uma reunião ministerial para o dia 13. O ceticismo se acumula entre negociadores, diante de cartas enviadas por congressistas americanos à representante comercial dos EUA, Susan Schwab, alertando que não é momento de aceitar acordo fraco, do negociador agrícola americano dizendo que não há ganhos para os EUA, das declarações do ministro indiano, Kamal Nath, de que não fará concessões.

Além disso, ontem, em Pequim, uma negociação entre EUA e China não conseguiu superar o problema sobre acordos setoriais na área industrial – uma exigência feita pelos EUA aos principais emergentes, incluindo o Brasil, para acelerar eliminação tarifária, e sobre a qual os chineses não querem nem ouvir falar. Alguns negociadores falavam ontem em “aterrissagem suave” se houver reunião ministerial, ou seja, num acordo apenas sobre plano de trabalho futuro. Mas outros diziam que, nesse caso, o mais provável seria mesmo uma “aterrissagem brutal”.

Na expectativa do que vai acontecer, negociadores do setor privado, ontem, em São Paulo, não sabiam se faziam ou não as malas para ir a Genebra. O setor agrícola avalia que eventuais ganhos com cotas nos países desenvolvidos e corte de subsídios podem ser anulados ou reduzidos por barreiras em economias emergentes, justamente para onde as exportações estão aumentando. André Nassar, diretor-geral do Icone, instituto que reúne parte do setor, exemplificou com a criação de mecanismo de salvaguarda especial, pelo qual países em desenvolvimento poderão impor sobretaxa acima do que foi estabelecido na Rodada Uruguai, para frear súbito aumento de importações ou queda de preços.

Pelas discussões na OMC, a China poderia aplicar sobretaxa de 15% sobre importações de soja brasileira, comparado aos 3% do acordo global atual. Ou seja, o acordo para liberalizar permitirá que a tarifa de importação aumente. Para Nassar, a salvaguarda vai prejudicar sobretudo o comércio entre países em desenvolvimento. “Aceitar retrocesso é injustificável”, reclama Pedro Camargo Neto, presidente da Associação dos Produtores e Exportadores de Carne Suína. “Essa obsessão em ser líder não é boa. Liderar tem um preço que o Brasil não deve pagar. Nossa participação no comércio mundial é ínfima. Somos grandes só em agricultura. O setor não aceita pagar uma rodada a qualquer custo.”

Esta semana, quando passou por Genebra, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, disse que o momento é de ignorar pressões dos lobbies e “colocar amplos interesses à frente disso”, porque um acordo de Doha é “bom para a humanidade”. Para negociadores brasileiros, os cuidados estão sendo tomados para limitar ao máximo as condições pelas quais os países poderão utilizar a salvaguarda especial agrícola. Além disso, há setores no Brasil que querem o mecanismo. O Ministério de Desenvolvimento Agrário quer ter o direito de o país impor sobretaxa na importação de feijão, lácteos etc. para proteger a agricultura familiar.

Nassar aponta outra preocupação da agricultura: a concessão de subsídios à exportação para os países em desenvolvimento até 2021. A recente experiência com a Índia, que deu subsídios para o frete das exportações de açúcar, deflagrou o sinal de alarme no setor agrícola do Brasil. Além disso, países em desenvolvimento poderão designar “produtos especiais” agrícolas que terão corte tarifário menor, ou seja, mantendo as barreiras.

O setor industrial também está receoso. Segundo Mário Marconini, diretor de negociações internacionais da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), EUA e Europa aumentaram a pressão sobre os acordos setoriais recentemente e querem que os países aceitem compromissos de redução de tarifa em setores como automotivo, químico e eletroeletrônico. “Não temos apoio no Brasil para fazer isso”, disse Marconini. Para Pedro Bettancourt, da Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), um acordo setorial no setor é “inimaginável”.

Segundo o representante da Fiesp, a indústria pode até sentar na mesa de negociação dos setoriais, se os países ricos aceitarem flexibilidades, como excluir sub-setores, mas descarta compromisso de alcançar resultados. O setor agrícola não vai bloquear um acordo, pelo pacote geral, mas pelo andar da carruagem acha que vai pagar custos que não eram imagináveis há algum tempo, como aceitar tarifa acima do que é hoje.

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