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Por que a Raízen não é favorável à venda direta de etanol

Foto: Arquivo/Unica

Da Gazeta de Piracicaba, 24/06/2018

Produtora de açúcar, biocombustíveis e bioenergia, a Raízen não é favorável à venda direta do etanol aos postos, conforme prevê o Projeto de Decreto Legislativo (PDS 61/18), que autoriza essa comercialização. O projeto foi aprovado no Senado, no dia 19 e, na quarta-feira (20), teve o pedido de urgência de votação negado na Câmara dos Deputados, onde a proposta voltou a ser deliberada.

De acordo com Pedro Mizutani, vice-presidente de Relações Externas e Estratégia da Raízen e presidente do Conselho Deliberativo da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica) que representa 60% da produção de etanol do Brasil, a Raízen e Unica são contrários à proposta, principalmente pelos riscos que ela poderá trazer ao desenvolvimento da Política Nacional de Biocombustíveis, o Renovabio.

“O etanol é um produto nacional, não regional. A Raízen não vende apenas para Piracicaba. O sistema produtor-distribuidor-revenda inclui transporte por meio de dutos, ferrovias, navios além do rodoviário. Há 40 mil postos de combustíveis no País, com toda uma logística que funciona. Os postos são abastecidos com caminhões que levam três combustíveis. O transporte é compartilhado em etanol, gasolina e diesel. Se a venda direta fosse da usina, haveria uma maior circulação de pequenos caminhões com etanol e alem disso deveria existir outro caminhão que traria o diesel e a gasolina para os postos”, disse.

Mas, ele vê nessa possibilidade outro problema que é a qualidade do biocombustível.

“Hoje a certificação da qualidade acontece na usina e na distribuição. O risco de ter o etanol adulterado é maior, por exemplo com mais água que o permitido. O condutor que não quer ter danos no motor do veículo com etanol adulterado, que provoca falhas, abandonaria o consumo do biocombustível. Isso seria ruim para o país que assinou o acordo de Paris (COP 21) para reduzir a emissão de CO2 (gás carbônico) e o etanol tem papel fundamental para essa descarbonização”, afirmou.

O acordo enaltece o etanol que pode passar da atual capacidade de 30 bilhões de litros produzidos para 46 bilhões. “O Renovabio visa cumprir as metas previstas no acordo , insere na matriz energética os biocombustíveis, o etanol, o biodiesel, o biogás e dá uma previsibilidade de investimentos por 10 anos. O crescimento do setor com essa política deve gerar empregos, o que não ocorrerá se ela for afetada pela venda direta”, alertou.

Origem

Mizutani explicou que o PDS surgiu após a crise de abastecimento da greve dos caminhoneiros e é defendido principalmente por produtores da Região Nordeste.

“Os estudos, logísticos , tributários e de eficiência, indicam que a venda direta não reduzirá o preço ao consumidor. A venda direta é proibida, porem na crise provocada pela paralisação dos caminhoneiros, no final de maio, houve uma certa flexibilização pela ANP, agência que regula a distribuição dos combustíveis, que autorizou as distribuidoras e não as usinas entregarem diretamente aos postos através da venda a ordem e sem fidelidade de bandeira. Esta resolução foi cancelada após o fim da greve dos caminhoneiros.

A norma em vigor é a Resolução 43/2009 da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que prevê que só é permitido ao distribuidor , comercializar o etanol com os postos ou outro distribuidor cadastrado na ANP.

“Se os produtores quiserem ter uma distribuidora para vender aos postos, eles podem. Isso já é permitido pela ANP”,e é muito simples, portanto não há necessidade de se criar uma nova lei para isso, comentou.

Experiência

Há 30 anos no setor de biocombustíveis, Mizutani disse que já vivenciou um período no qual a venda direta acontecia entre usinas e postos.

“Houve muita sonegação de impostos e adulteração de qualidade. As empresas que pagavam corretamente os tributos não conseguiam superar a concorrência desleal dos sonegadores. Muitas distribuidoras pensaram em retirar as bombas dos postos. Hoje, tudo está regulado e fiscalizado e não há falta do produto. O impacto que a venda direta pode causar, não merece o risco”, afirmou.

Entidades querem audiência pública

A Unica representa 60% dos produtores de cana. Em nota, a entidade afirmou que a decisão do Senado “é preocupante pelo fato de não ter existido, até o momento, uma avaliação profunda sobre as consequências dessa mudança, como a redução de preços do biocombustível e vantagens ao consumidor na vigência de uma medida como essa”, informou.

Ela ressaltou que, em conjunto com outras entidades de classe, já foi solicitada à Câmara dos Deputados, a realização de uma audiência pública “para que o assunto seja amplamente discutido e que o setor privado possa se manifestar e levar aos parlamentares os argumentos do setor sucroenergético, responsável por mais de 50% da produção nacional de etanol”.

A entidade reforça, por meio desta nota, ser contra essa proposta, principalmente porque dificulta a implementação do RenovaBio.

A Plural (Associação Nacional das Distribuidoras de Combustíveis, Lubrificantes, Logística e Conveniência) emitiu nota na qual também considera preocupante a aprovação no Senado do PDS 61/2018, “pois não leva em conta as complexidades que envolvem o setor. O argumento de que trará benefícios ao consumidor carece de avaliação aprofundada. Na realidade, o preço final ficará mais alto, a garantia de qualidade mais difícil e a arrecadação por parte do Estado mais vulnerável. Além da Plural, as outras duas principais entidades que representam o setor de etanol são contra a proposta: a Unica, dos produtores, e a Fecombustíveis, dos postos revendedores”, informou.

Segundo a entidade, as usinas produtoras não possuem logística necessária – que envolve sistemas de dutos, ferrovias e bitrens – para chegar aos mais de 40 mil postos espalhados pelo Brasil.

“A complexa malha em funcionamento atualmente só foi possível ao longo de anos de investimento e desenvolvimento sob uma sólida regulação que define claramente os papéis e responsabilidades de cada agente da cadeia de suprimentos. Estudos técnicos mostram que os custos extras serão da ordem de R$ 870 milhões. A possível perda de arrecadação é inestimável no momento, até porque as regras atuais contemplam tributação nos produtores e nos distribuidores. A Plural espera que agora na Câmara dos Deputados o PDS seja amplamente debatido e todas suas implicações e impactos sejam avaliados, e que ao final prevaleça o que for melhor para a sociedade e para o País”.

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