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Pedaço da memória açucareira vai ao chão

Engenho de cana-de-açúcar do século 18, no município pernambucano de Nazaré da Mata, foi completamente desmontado e saqueado. A edificação, desativada, encontra-se em processo de tombamento pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e teve todas as peças de madeira retiradas. Não há sinal de porta, janela, esquadria, grade, piso e telhado no amontoado de pedras deixado para trás na casa-grande e Capela de São José.

“Levaram o que havia de melhor”, diz o arquiteto do Iphan Marcos Simão, que vistoriou o Engenho Morojó na tarde de ontem. Segundo ele, não há indícios de uso de máquina na demolição. “Fizeram o desmonte na mão, houve muita cautela na retirada das peças, dá para perceber que as esquadrias e grades foram retiradas inteiras”, comenta o arquiteto. O serviço, calcula, deve ter durado cerca de um mês.

A arquiteta Cremilda Martins, superintendente substituta do Iphan, avisa que vai acionar a Polícia Federal e o Ministério Público Federal para identificar e punir os culpados. “Em dezembro do ano passado, quando visitamos o Engenho Morojó para o Inventário de Varredura de Bens Culturais Materiais Relacionados ao Ciclo da Cana-de-Açúcar, a casa-grande e a capela estavam de pé”, garante.

De acordo com Cremilda, a ação é criminosa porque uma edificação em processo de tombamento é protegida pela Lei Federal nº 25, de 1937. Sendo assim, não poderia ser descaracterizada nem destruída. Da capela, desapareceram o altar-mor com todas as peças, o confessionário de madeira, o sino, a tribuna e o coro. “Soubemos que o altar foi vendido”, diz a arquiteta, que também esteve no lugar ontem.

O confessionário de madeira, observa Cremilda, é considerado um objeto raro por estar junto da gr ade que separava a nave do altar-mor. Ainda na capela, quatro sepulturas com restos mortais da família Andrade Lima, proprietária do engenho, encontram-se violadas. As lápides estão quebradas, mas nos vãos abertos não há mais ossadas.

“A capela tinha um arco cruzeiro com capitel triplo (esculturas na pilastra) e isso não se vê com facilidade. O Engenho Morojó não é muito conhecido, mas é tão importante quanto o Engenho Poço Comprido, tombado pelo Iphan em Vicência”, destaca Cremilda. Na casa-grande, há vestígios de construções dos séculos 17 (parte de uma parede de pedras irregulares), 18 e 19.

Construído às margens do Rio Morojozinho, fonte de energia e escoamento do açúcar, o Engenho Morojó era formado de casa-grande – sobrado de dois pavimentos – capela, senzala e fábrica, onde era feito o açúcar. A fábrica não existe mais desde os anos 80 e a senzala sofreu modificações para abrigar garagem.

Em 2005, o governo do Estado anunciou a desapropriação do engenho pa ra construção da Barragem Morojozinho, cujas obras começam hoje. Conforme a Companhia Pernambucana de Saneamento, a casa-grande e a capela estão na área desapropriada, mas não no trecho a ser inundado. Integram a área de preservação da barragem.

O superintendente jurídico da Compesa, Ubiratan Pereira, disse que o valor da desapropriação, R$ 250 mil, foi depositado em juízo porque a família discorda do preço. “Vou prestar queixa da destruição na delegacia de Nazaré”, declara. A Compesa cercará a área para evitar retirada de materiais da demolição.

Para Cremilda Martins, o valor cultural do engenho é imensurável. “Porém, só o acervo da capela vale mais do que a indenização proposta pelo Estado”, informa. O processo de tombamento foi aberto pelo Iphan. “Estamos nessa negociação desde 2006. A proprietária do engenho morreu e precisamos saber quem herdou.” Moradores da região disseram que toda a comunidade viu a demolição, mas ninguém quer falar sobre o assunto.

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