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Os EUA e a revolução energética

Os dados recentes mostram continuidade na trajetória de recuo acentuado das importações líquidas de petróleo dos EUA. Ante um pico de 12,7 milhões de barris por dia (mb/d) em meados de 2006, houve redução para 6,4 mb/d nos últimos meses. Esse movimento, que reverte a dinâmica de acentuada ampliação das importações no quarto de século anterior, representa uma mudança com implicações relevantes para o mercado mundial de petróleo. Para que se tenha uma ideia, a redução já observada das importações americanas representa três quartos dos 8,2 mb/d exportados pela Arábia Saudita, a maior produtora mundial.

A queda das importações reflete, em primeiro lugar, uma redução de 22% do consumo de petróleo nos EUA. Isto é consequência principalmente da redução da participação dessa commodity na matriz energética, em contrapartida à elevação da participação do gás natural. Como consequência da expansão da produção doméstica ao redor de 35% nos últimos seis anos, o gás natural tornou-se muito mais barato nos EUA – em termos de equivalência energética, o custo dele hoje naquele país é de 20% do preço do petróleo.

Em adição à redução de demanda, há também uma ampliação da produção de petróleo. Apenas nos últimos dois anos o crescimento acumulado é de 30%, levando a produção para perto de 7,2 mb/d. A expansão recente tem se dado a uma velocidade superior às projeções, que de todo modo indicam que o movimento de forte crescimento deve prosseguir no que resta desta década.

Considerando-se a redução das importações líquidas de petróleo e gás natural desde 2006, tem-se um impacto, aos preços atuais, de algo como 1,8% do PIB sobre a balança comercial. Observe-se, porém, que sendo os Estados Unidos os maiores importadores e consumidores mundiais de petróleo, uma redução dessa magnitude deve ter produzido queda de preços. Ou seja, não fosse o aumento da produção doméstica, as importações não apenas seriam maiores em quantidade como seriam mais caras. Nesse sentido, embora 1,8% do PIB já seja um número expressivo no que toca à solvência do balanço de pagamentos, esse é apenas o limite inferior do real efeito dos desenvolvimentos recentes no setor energético sobre a balança comercial.

Quais os impactos dessas mudanças na atividade econômica? Há um efeito óbvio de substituição de importações: uma parcela maior das necessidades energéticas passou a ser suprida domesticamente, e isto faz com que o PIB se eleve. Não fosse a economia tão gigantesca, o efeito de descobertas energéticas dessa magnitude seria dramático. No caso americano, é ainda assim substancial.

Tudo indica, porém, que esse impacto é apenas parte da história. Como dissemos, a redução das importações americanas tem sido uma força importante para moderar as pressões altistas sobre os preços de petróleo. Observem-se, por exemplo, os preços de energia pagos pelo consumidor americano. Entre 1999 e 2007, eles tiveram uma alta acumulada de 128%. Nos últimos dois anos, em contrapartida, eles tiveram queda de 3,5%. Sendo os EUA uma economia que importa energia em termos líquidos, essa moderação dos preços deve ter efeitos positivos sobre a atividade: ela equivale a uma transferência de renda de produtores, parte dos quais no exterior, para o consumidor americano. Nesse sentido, o efeito sobre a atividade doméstica de uma descoberta do gênero nos EUA é maior do que em um grande exportador, como a Arábia Saudita. No caso dos sauditas, uma eventual ampliação da produção doméstica elevaria a quantidade exportada, mas isto seria em parte anulado por preços mais baixos. Esses preços mais baixos fariam com que os ganhos fossem repartidos com os consumidores nos países importadores.

Há, por fim, ganhos de competitividade associados ao barateamento do gás natural. Dados os elevados custos de transporte que restringem o comércio internacional, o preço do gás natural reflete em grande medida as condições domésticas de oferta e demanda. Isto explica por que o preço dele nos EUA hoje é muito menor do que no resto do mundo. Isto dá à economia americana uma vantagem competitiva expressiva em vários setores industriais.

Em suma, os desenvolvimentos recentes no setor energético parecem ter efeitos macroeconômicos de monta. Há, em primeiro lugar, fortes implicações sobre a balança comercial, que devem afetar de forma importante a trajetória do dólar em horizontes mais longos. Existe, além disso, um impacto sobre a atividade econômica que vai além do efeito direto da substituição de importações. A transferência de renda de produtores de petróleo no exterior para consumidores americanos representa uma força importante de sustentação da demanda doméstica, e a isso se somam ganhos apreciáveis de competitividade no setor industrial. Isso provavelmente ajuda a explicar como a economia segue crescendo, ainda que moderadamente, em meio a uma forte contração fiscal em 2013. Passado o período de ajuste mais agudo, abre-se a perspectiva de alguma aceleração do crescimento já em 2014.

Alexandre Bassoli – economista-chefe do Opportunity

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