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[Entrevista com Fábio Venturelli] O foco, as escolhas e a competitividade

Venturelli: Mais Influente do Setor
Venturelli: Mais Influente do Setor

A mudança marcante para o setor do agronegócio, em 2007, depois de uma sólida trajetória na Dow Química, levou Fábio Venturelli para o posto de CEO do Grupo São Martinho, que atua no setor sucroenergético e tem como principais acionistas a família Ometto. “Eu aceitei o desafio, era uma oportunidade fantástica, e talvez um movimento excepcional. Foi uma decisão difícil, porque eram empresas de realidades distintas”, conta Venturelli, hoje com 49 anos. Para ele, que começou na multinacional americana em 1988 como trainee e chegou a postos de liderança de responsabilidade global, o importante para impulsionar a carreira é saber bem o que se quer, ter claro o que vai precisar abrir mão para alcançar seus objetivos, e ser competitivo, no sentido de sempre querer apresentar o melhor resultado. A seguir, trechos da conversa com este engenheiro de produção graduado pela Poli, com MBA pela FIA/FEA e cursos em instituições como o Insead, na França, que acumulou 25 anos de experiência em gestão e que ajudou o São Martinho, referência no mercado, a manter bons resultados em meio à crise pela qual passa o setor de álcool.

Trajetória na Dow

Ela tinha um programa de trainee que o preparava para ser um vendedor, um engenheiro de vendas, ou representante técnico. Mas a formação dos dois era sempre a mesma, eram engenheiros, talvez químicos. Na maioria, engenheiros ou químicos, que se dividiam nesses papéis. Eu comecei na área comercial, como vendedor. Logo passei para uma gerência na área de distribuição de produtos químicos, e foi onde fiquei durante o ano de 1994. Em seguida, assumi uma gerência de marketing para a América Latina, baseado aqui em São Paulo, na época, e acredito que ainda seja assim, o Brasil era a sede para a América Latina. Fiz esse trabalho por um ano aqui no Brasil e aí eu fui transferido para os Estados Unidos, para a sede da companhia, no estado de Michigan, e passei a ser gerente de marketing global. Também fui gerente global de vendas para uma linha de sulfactantes. Logo depois disso, acho que no ano de 2000, eu recebi uma promoção e virei diretor de um negócio global da companhia, na área de especialidades.

Brasil-EUA

Fui diretor global de 2000 até 2004. No fim de 2004, voltei para o Brasil e assumi a diretoria comercial para a América Latina. O Brasil estava começando a bombar, eu voltei para cá e fiquei nessa função até o ano de 2006. E retornei para os EUA a fim de tocar a área de planejamento estratégico, da divisão mundial.

Impasse de carreira

Em julho de 2007, eu conheci a proposta da São Martinho. Eu estava num momento em que eu queria voltar para o Brasil. Havia chegado a um impasse de carreira, pois continuar lá fora tinha se tornado inviável, porque havia passado por mudanças no lado pessoal, envolvendo a minha família, e precisava voltar para o Brasil. Mas aqui não havia mais espaço, porque eu havia crescido bastante na carreira, e voltar para o Brasil na Dow também não era uma opção. Naquele momento, eu recebi ofertas para assumir a presidência de duas companhias, e uma delas era a São Martinho.

Decisão difícil

Eu conheci o projeto da São Martinho, a empresa havia feito IPO (oferta inicial de ações) em fevereiro de 2007, essa conversa ocorreu em julho, agosto. E eu aceitei o desafio, era uma oportunidade fantástica, e talvez um movimento excepcional. Foi uma decisão difícil, porque eram empresas de realidades distintas: uma talvez seja um ícone dentro das empresas listadas (em bolsa), a Dow é referência em processos e gestão, e a São Martinho estava iniciando um processo de profissionalização, havia passado por um IPO e estava contratando seu primeiro CEO profissional.

A ascensão

Acho que são três elementos que proporcionaram o sucesso na carreira. A primeira coisa é que sempre soube o que quis e nunca tive medo de deixar isso claro. A segunda, é que nunca perdi do foco o que era necessário dar em troca para atingir o que eu queria. Na vida nada é de graça. Se você quer ser CEO de uma companhia, então tem de entender quais são os passos de formação, o que tem de dar para se qualificar para aquela posição. E o terceiro elemento, e aí é uma característica individual, é ser competitivo, ter a competitividade saudável. Ela é fundamental, porque conforme você vai subindo, conforme você vai se destacando, o ambiente vai se tornando cada vez mais competitivo, seja dentro da empresa, seja externamente, você precisa lidar com o ser competitivo de uma forma que jogue ao seu favor. É buscar acertar, não aceitar um resultado mediano, é sempre buscar exceder em tudo aquilo que você está fazendo. Então, acho que foram essas três coisas, entender a complexidade do desafio, o trade off, e ser competitivo para ter qualidade e diferenciação na entrega.

O objeto do desejo

Eu lembro que numa reunião, ainda no programa de desenvolvimento dos trainees, eu acabei sendo escolhido com mais dois colegas para representar os funcionários do Brasil nesse programa de desenvolvimento de novos talentos, que era feito nos Estados Unidos. Na época, o presidente da América Latina vinha e falava com todos nós. Ele pediu que escrevêssemos, qual era o objetivo de cada um, 20 pessoas haviam sido escolhidas, e eu escrevi CEO no papel e dei para ele. E dos 20, ele separou um e leu vários, havia uma série de coisas altamente relevante, mas ele deixou um de lado, justamente o meu. Ele deu um conselho que eu sempre trago comigo. Ele leu o meu papel e disse que era aquele tipo de resposta que estava esperando. ‘Eu já passei por isso e se a pessoa tiver claro qual é o trade off (ato de escolher algo em detrimento de outra coisa) para atingir essa posição, o que ela vai ter de fazer, e qual é o nível de dedicação e entrega para chegar lá, o primeiro passo é querer, é saber o que você quer’.

Questão de inglês

Eu também escrevi CEO no papel porque também era uma forma de eu escrever algo e não ter meu inglês questionado. Eu estava lá falando com um americano junto com um grupo de jovens querendo ser carreirista em uma multinacional e o inglês era uma questão relevante. E aí você começa a escrever em inglês e se comete um erro, o cara já nem lê sua resposta. Então, ao escrever CEO eu não tinha como errar e partir para uma conversa a respeito de uma ambição de carreira, ambição de crescer, se desafiar nas diversas etapas que há numa carreira. Eu tinha uns 20 e poucos anos e a resposta tinha esse viés de aprender o desafio, mas também mitigar o risco de escrever só bobagem.

Olhar adiante

Em uma posição que você está, você precisa demonstrar as competências para o próximo cargo. Você sabe que depois de uma gerência comercial vem uma gerência de marketing, nos passos da carreira. Então, se você não fizer marketing você não vai ser um diretor de divisão. Na cadeira no comercial, você já mostra as competência para ficar quase que óbvio que você é um candidato para a cadeira de marketing. E aí como gerente de marketing como você já mostra as competências para virar um diretor de negócio. Então, você entendendo qual é o caminho, do que você tem de abrir mão, como você já faz o trabalho de hoje para o trabalho que você precisa fazer amanhã para chegar ao seu objetivo.

A mudança e os valores

Estava saindo de uma empresa com capital totalmente pulverizado, sem controlador, listada há décadas, considerada a rainha dos processos, e estava indo para outra saindo de (uma estrutura) familiar, listada, mas com controle definido. Meu pensamento foi “eu tenho tanto para contribuir”, mas eu tinha de entender o que ela era antes de começar a contribuir. Ver em que dose contribuir, em que dose aprender, e em que dose ensinar. Mas para mim, o era inquestionável, era ter uma validação dos valores da empresa e dos seus dirigentes, porque a diferença entre uma e outra empresa nos aspectos organizacionais eram tão significativas que a única coisa que eu não podia colocar em risco era sair de uma empresa e entrar numa outra que não tivesse padrões de valores meus. Eu tinha de olhar nos olhos dos controladores e do conselho para ver que nós compartilhávamos os mesmos valores. E falo de valores essenciais mesmo, integridade e respeito pelas pessoas. E, por sorte, ficou implícito isso logo nas primeiras interações. Aí, em cima de haver os mesmo valores, deu para criar uma transição.

(Fonte: O Estado de S.Paulo)

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