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O enredo surrado da convenção do clima

Começam segunda-feira próxima, em Bonn, na Alemanha, novas conversações entre 189 países signatários da Convenção sobre Mudanças Climáticas. Dois dias depois, iniciamse negociações entre 163 países que homologaram o Protocolo de Kyoto, no qual está escrito o compromisso de 35 países industrializados reduzirem, até 2012, em 5,2% suas emissões de gases que intensificam o efeito estufa (calculadas sobre as emissões de 1990).

A distinção entre conversações e negociações tem amplas conseqüências. Na última reunião da convenção, em novembro/dezembro, no Canadá, era preciso marcar uma data até maio de 2006 para retomar as discussões, prazo além do qual a convenção correria o risco de se extinguir. Mas os Estados Unidos não aceitavam nenhum texto que mencionasse negociações, compromissos ou metas de redução de emissões. Adotou-se um texto vago – e o resultado é incerto. Já as negociações envolverão só os países que homologaram o Protocolo de Kyoto – o que não inclui os Estados Unidos e a Austrália -, em busca de novo compromisso sobre o que fazer depois de 2012, quando termina o primeiro período desse acordo.

Até aqui, não há sinais de avanços importantes em Bonn. Razões fortíssimas para novos compromissos não faltariam. Só para ficar com as últimas informações, o quarto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – que só deveria ser conhecido em 2007, mas já vazou para a comunicação – prevê que, a continuar o atual ritmo de emissões de poluentes, a temperatura subirá entre 2,5 e 4,5 graus Celsius ao longo do século 21 e atingirá níveis sem precedentes nos últimos 20 mil anos; e os níveis de concentração na atmosfera de dióxido de carbono, metano e óxido nitroso serão os maiores em 650 mil anos.

Segundo a revista New Scientist (18/3/2006), a queima de combustíveis fósseis e de florestas já responde por 400 bilhões de toneladas de dióxido de carbono emitidas e por um aumento de 0,6 grau Celsius na temperatura terrestre.

E no subsolo terrestre está estocado, sob a forma de óleo, gás e carvão, um volume dez vezes maior. Mas, de acordo com estudos da ONG Friends of Earth, para que a temperatura do planeta não suba além de 2 graus é preciso reduzir as emissões de poluentes em pelo menos 30% até 2020 e, só nos países industrializados, de 80% a 90% até 2050. Além disso, será necessário que os países em desenvolvimento (especialmente China, Brasil e Índia) também assumam compromissos de redução – o que não aceitam, até aqui.

De pouco têm adiantado advertências da Organização Mundial de Saúde de que o aquecimento está espalhando vetores de doenças no mundo e fazendo proliferar a malária, a dengue, o vírus do Nilo, entre outros 30 tipos de doenças. Ou da Organização Meteorológica Mundial, de que 622 mil pessoas morreram em desastres naturais ao longo de uma década, enquanto 2 bilhões foram afetadas de alguma forma. Também não comovem informações, como a da Universidade de Princeton (Estados Unidos), de que a intensidade do degelo na Groenlândia dobrou, para 200 quilômetros cúbicos por ano (Los Angeles, com mais de 10 milhões de habitantes, consome um quilômetro cúbico de água em um ano).

Apesar de todas essas informações, as emissões globais continuam subindo quase 2% ao ano e, até 2030, poderão aumentar, nesse ritmo, 52% – até porque em 2018 os países em desenvolvimento ultrapassarão as emissões dos industrializados, com forte contribuição da China e da Índia.

Os Estados Unidos, já responsáveis por um quarto das emissões, seguem aumentando-as. A Grã-Bretanha vem aumentando as suas desde 2002 e emite hoje mais do que em 1990. Também o Japão aumenta as suas – embora estudo do Serviço Econômico da Grã-Bretanha diga que, com investimento equivalente a 1% do PIB mundial, seria possível reduzir as emissões dos países industrializados entre 30% e 40%.

Mas o primeiroministro Tony Blair já expressou seu ceticismo de que possa haver um segundo período de Kyoto e de que os Estados Unidos a ele venham a aderir. A seu ver, a solução está em novas tecnologias, que não afetem o desenvolvimento econômico. Talvez esteja apostando na problemática energia nuclear e no seqüestro de carbono em usinas poluentes e seu sepultamento no fundo da terra ou no fundo do mar (em discussão em Bonn). Já há empresas de petróleo britânicas, norueguesas e dinamarquesas investindo nesse caminho, ao lado das grandes petrolíferas norte-americanas. É certo que a Organização para a Alimentação e a Agricultura da ONU está insistindo em que chegou a hora de mudar para a bioenergia – e dá o Brasil como exemplo, embora advirta que é preciso descentralizar programas como o do biodiesel, para que não se transformem num oligopólio de grandes esmagadoras.

Apesar das dimensões e da urgência do problema, não está clara a posição brasileira – apenas se repete que a convenção do clima prevê obrigações comuns, porém diferenciadas, e que os países industrializados precisam primeiro cumprir seus compromissos. Mas será ingênuo acreditar que isso anulará as pressões sobre o País, o quarto maior emissor do planeta, e com 75% de suas emissões derivadas de mudanças no uso da terra, queimadas e desmatamentos, principalmente na Amazônia. Algo terá de ser feito. Por que não aceitar o compromisso de reduzir emissões proporcionalmente à responsabilidade de cada país para a concentração de gases que já está na atmosfera – uma tese que o Brasil mesmo apresentou à convenção?

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