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Fertirrigação em cana-de-açúcar

A irrigação por gotejamento subterrâneo vem ganhando força nos últimos 3 anos em várias usinas de cana pelo Brasil, e despertando muitas dúvidas em seu manuseio e em fertirrigação.

Com um investimento inicial considerado elevado para a tradicional agrotécnica que sempre foi utilizada em cana-de-açúcar, a irrigação veio para revolucionar o setor, que já possui no breve histórico em cana de açúcar pelo mundo, bons resultados em outros países como Austrália, África do Sul, México e Nicarágua, principalmente com o uso da irrigação localizada com gotejamento subterrâneo, onde as linhas de gotejo são enterradas a aproximadamente 30 cm de profundidade, o que diminui as perdas de água por evaporação de superfície. O objetivo é manter uma faixa úmida contínua entre duas fileiras de cana, atraindo o sistema radicular para a zona molhada. As linhas de gotejo são distribuídas a cada duas fileiras de cana, mantendo uma faixa úmida e uma faixa seca. A economia e eficiência do uso da água são altas em comparação com os outros sistemas de irrigação que são aplicados em área total.

A aplicação de fertilizantes solúveis através do sistema de irrigação é chamada de fertirrigação e pode ser efetuada durante todo o ciclo da cultura com pequenas dosagens de fertilizantes e variando na composição dos nutrientes de acordo com a demanda de cada fase fenológica. Nutrição eficiente e adequada certamente aumentará o desempenho das plantas.

A fertirrigação também pode ser utilizada em sistemas de pivô central ou em linha móvel ou mesmo em canhões de aspersão, porém o gasto de água tende a ser maior do que no gotejo. A economia de água em gotejamento pode superar os 30%, diminuindo também os gastos com energia para o funcionamento do sistema.

Há grande economia com a redução da estrutura de apoio e menor uso de mão de obra. Mais cana em menos área. A aplicação de fertilizantes é facilmente operada a partir do cabeçal de controle de irrigação onde deve haver uma bomba injetora de fertilizantes, que em pequenas doses, porém freqüentes ao longo do ciclo de cultivo, deve injetar os fertilizantes já dissolvidos em água em um reservatório anexo tipo caixa d água. A fertirrigação pega carona na irrigação sem gasto adicional de mão de obra, e o preparo da solução de fertilizantes é bem simples. A otimização da nutrição certamente aumentará a produtividade e os teores de açúcar. A plantação não necessita ser renovada antes de 8 a 10 anos, dependendo do desempenho e manutenção de níveis de produtividade sempre superiores a 120 Tons/Hectare. Há casos em que as produtividades superam os 180 Tons/Hectare.

Para se obter altas produtividades os níveis de N-P-K a serem aplicados devem ser também bastante elevados chegando a valores como 200-250Kg N; 100-120Kg P2O5; 350-380Kg K2O. São valores impensáveis no cultivo de sequeiro, mas o custo/benefício na cana irrigada é excelente, mesmo quando o preço do açúcar e do álcool estão em baixa no mercado. Investir em irrigação é para médio e longo prazo, e certamente terá anos de preços mais altos ou mais baixo no mercado, porém, esse é um excelente negócio.

No Brasil, algumas regiões são mais privilegiadas do que outras em recursos hídricos, topografia e textura de solo para um melhor desempenho da irrigação e da fertirrigação.

Em solos de textura arenosa há maior dificuldade no uso eficiente dos sistemas de irrigação por gotejamento enterrado, com a formação de bulbos molhados verticais sem formar uma mancha úmida contínua, que seria mais fácil de obter em solos mais argilosos, onde os bulbos molhados têm melhor dispersão lateral. Assim, em solos arenosos, o espaçamento entre gotejadores dentro da linha de irrigação deveria ser mais próximo para tentar formar a faixa úmida, o que implica em maior gasto de equipamentos encarecendo os custos do projeto, sendo o uso de pivôs ou aspersão uma boa alternativa nesse caso.

No Estado de Alagoas há excelentes áreas com texturas e topografias adequadas, sendo um estado privilegiado na região Nordeste, sendo a maior limitante a disponibilidade de água para irrigação, que necessita investimentos pesados em infra-estrutura de formação de barragens, açudes e energia elétrica para irrigar áreas maiores. Esses investimentos são altamente viáveis.

Agronomicamente, o principal fator limitante é a umidade, e a irrigação visa garantir que não haverá stress hídrico, considerando a irregularidade de chuvas, cuja falta ou excesso podem causar danos às plantas. As chuvas têm um histórico estatístico bastante estável, porém com variações que fogem ao nosso controle.

Com o domínio da irrigação, o limitante hídrico some, e a produtividade aumenta drasticamente. Isso prova que a cana de açúcar tem um potencial de produtividade a ser melhor explorado.

Surgem, então novos fatores limitantes que sempre foram secundários porque a falta de água sempre foi o fator dominante, sendo os novos limitantes, principalmente fatores nutricionais como o pH, a salinidade, a lixiviação, os níveis de N, P, K, Ca, Mg, S, micros, e fatores fitossanitários.

Através da fertirrigação, é possível alterar para mais ou para menos as dosagens de qualquer nutriente ao longo do ciclo da cultura para atender às necessidades de demanda em cada fase fenológica, proporcionando uma resposta em produtividade bem mais elevada do que a adubação convencional que normalmente faz apenas uma fundação e uma cobertura, ainda em fase inicial de cultivo por não ter acesso físico a sua aplicação quando a plantação de cana se desenvolve.

Nas freqüentes fertirrigações, pode-se proporcionar às raízes pequenas doses dos nutrientes adequados, que seriam absorvidos com grande eficiência, evitando desperdícios ou carências.

O controle do pH entre 6 e 7 é o principal fator para disponibilizar todos os nutrientes do solo para as plantas e isso pode ser facilmente manipulado palas fertirrigações com a escolha de fertilizantes de tendência mais ácida ou mais alcalina para sua correção. O pH é uma medida que não é fixa, sofrendo alterações o tempo todo, e uma análise de solo anual é insuficiente para mostrar o panorama de variações que ocorre. Há variações de pH após uma chuva, irrigação, fertirrigação, e durante o crescimento da planta com absorção e excreção de nutrientes pelas raízes.

Um instrumento novo de coleta da solução nutritiva do solo foi desenvolvido em Israel nos anos 80 e hoje é largamente utilizado em campos irrigados pelo mundo todo. É o Extrator de Solução do Solo (ESS), um simples tubo, similar ao de um tensiômetro, com uma ponta de cerâmica permeável na ponta, porém vazio, é enterrado no terreno molhado e mantido sob vácuo, após a rega, e assim a água com os nutrientes dissolvidos no solo são sugados para dentro do tubo à vácuo, imitando o que as raízes sugariam para dentro da planta, e essa solução nutritiva do solo pode ser analisada diretamente no campo, sem necessidade de enviar as amostras para laboratório. As coletas podem ser feitas com a frequência que quisermos como semanal ou quinzenal, e de forma simples e rápida. O investimento em equipamentos de coleta é baixo e pode ser utilizado por vários anos.

Para essas análises utilizam-se testes rápidos e baratos para os principais parâmetros nutricionais como pH, salinidade, nitrato, nitrito, fosfato, potássio, cálcio e cloreto. A cada coleta deve-se comparar seus valores de forma relativa a coleta anterior para avaliação e identificação de tendências de acúmulo ou perdas. O valor absoluto de uma única coleta tem pouco valor interpretativo para efeito de manejo e decisão de como efetuar as próximas fertirrigações.

A salinidade é medida com um aparelho portátil chamado de condutivímetro que mede a condutividade elétrica (CE) dos íons (somatório dos cátions ou ânions) que são fornecidos ao solo pelos fertilizantes, ou seja, quanto mais fertilizante (sal) aplicado maior a CE medida, e assim fica fácil dosar as quantidades de fertilizantes nas fertirrigações. Para cana de açúcar desejamos manter os valores de CE entre 1.0 a 1.7 mS/cm na solução nutritiva do solo para obter a otimização da nutrição. Sabemos que baixa CE implica em pouco fertilizante disponível para as plantas e assim podemos freqüentemente fornecer doses de nutrientes para manter a melhor nutrição de modo corretivo desde que seja viável economicamente, evitando também excessos e identificando problemas de lixiviação e distribuição dos fertilizantes (sais).

Esse método foi introduzido no Brasil em 1996 e utilizado em vários cultivos irrigados. Em 1999 foi utilizado em cana de açúcar pela Usina Coruripe de Alagoas do Grupo Tércio Wanderley, que hoje utiliza esse método de controle nutricional de forma rotineira em suas áreas irrigadas que estão em expansão. Os projetos de irrigação e fertirrigação da Usina Coruripe estão obtendo sucesso devido ao alto empenho e capacidade dos Engenheiros Agrônomos Laércio Vitorino e Pedro Carnaúba, que juntos obtiveram o apoio da diretoria para fazer com que esse projeto se torne viável. A fertirrigação passou a ser uma prática que supera os vários fatores limitantes além da água, e manipula os nutrientes e sua disponibilidade ao longo do ciclo da cultura. A produtividade aumenta e o potencial produtivo da cana de açúcar é melhor explorado. Iniciado com apenas 30 hectares de gotejamento, as ampliações vão a 700 hectares e a cada ano deve aumentar de acordo com a capacidade de acúmulo de águas em barragens para viabilizar as irrigações. Em paralelo, há também na Usina Coruripe uma área de cerca de 400 hectares de pivô linear que começou a funcionar em 2001. Essa área é também monitorada por por 4 estações de Extratores de Solução do Solo (ESS), que coleta amostras da solução nutritiva do solo em 3 diferentes profundidades, a 15, 30 e 45 cm, para avaliar se a distribuição dos fertilizantes pela CE dentro do bulbo molhado está uniforme ou se há lixiviação, além de examinar os outros parâmetros como pH, e cada nutriente individual.

Recentemente o Grupo Carlos Lyra também iniciou um manejo mais racional de fertirrigação, sob a coordenação dos Engenheiros Agrônomos Mário Sérgio Matias, da Usina Cachoeira; e Otavio Tavares e Ricardo Paiva, da Usina Marituba. Na Usina Cachoeira o maior desafio é provar que o sistema de gotejamento seja viável em topografia irregular, sendo o primeiro projeto de apenas 20 hectares em funcionamento há 1 ano e o segundo de 100 hectares que está entrando em funcionamento no final de 2001. Na Usina Marituba a prioridade é para fertirrigação através de pivôs centrais, embora haja um pequeno projeto de gotejamento de cerca de 50 hectares, tudo em excelente topografia.

Os pequenos e tímidos projetos de algumas usinas nos últimos 4 anos mostram que o desafio está lançado para a irrigação em cana de açúcar no Brasil. A ampliação desses projetos depende do profissionalismo e competência de nossos agrônomos além de um preparo de infra-estrutura para acúmulo de águas. O manejo é viável e econômico. Pensar diferente e tomar atitudes pouco convencionais em cima de um cultivo secular e tradicional como a cana de açúcar pode ser que se torne normal. Em outros cultivos como café, citros e algodão, a irrigação já provou sua viabilidade e a tendência é continuar.

Luiz Dimenstein – M.Sc.Agr.

José Grinspun

Consultores da Dimenstein Consultoria Ltda.

ldimenstein@uol.com.br

jgrinspun@ig.com.br

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