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Canavial nos pampas

No momento em que o Rio Grande do Sul se encontra a um passo de ver formalizada sua inclusão no zoneamento agrícola para o cultivo de cana-de-açúcar, uma experiência no município de São Luiz Gonzaga, na região das Missões, noroeste do estado, ganha força e marca pontos a favor dos que defendem a viabilidade de plantio da cultura em grande escala em solo gaúcho. Da área atual de 300 hectares de viveiro primário para a produção de mudas, um grupo formado por produtores e empresas privadas pretende saltar para 16 mil hectares cultivadas com cana na região nos próximos quatro anos. O empreendimento, estimado em R$ 270 milhões, prevê a construção de uma usina para a produção de 100 milhões de litros de álcool por ano.

O projeto de plantio de cana em São Luiz Gonzaga nasceu em 2005, em meio à estiagem que antecedeu uma das piores crises enfrentadas pela agricultura brasileira. A inspiração veio da experiência da produção de cana no município de Porto Xavier, distante 80 quilômetros, onde já existia uma usina instalada. “Vimos que naquele ano os produtores de lá perderam toda a soja com a seca, mas com a cana isso não ocorreu”, relata Régis Augusto Giovelli, presidente do Conselho de Administração da Canasul Participações, empresa que reúne 70 agricultores e fornecedores, sócios do empreendimento.

O início do plantio de cana na região começou no ano seguinte, em 2006, dividido em sete pólos de 23 hectares cada. As novas lavouras mudaram a paisagem da região, tradicional no cultivo de milho, soja, trigo e também na exploração da pecuária. “É importante salientar que ninguém aqui vai deixar de plantar grãos. O que se pretende é cultivar cana em 20%, no máximo 30% das propriedades, em áreas menos afetadas pela geada”, adianta-se em esclarecer Giovelli, que atualmente também produz soja, milho, trigo e girassol em uma área de 1,5 mil hectares.

Diferentemente do que ocorre em outras regiões produtoras de cana no Brasil, os próprios agricultores reunidos pela Canasul serão os fornecedores. “São produtores independentes, donos de suas terras, que não vão arrendá-las e sim produzir a matéria-prima”, salienta.

PLANOS AMBICIOSOS

Plantar 16 mil hectares na região de São Luiz Gonzaga nos próximos quatro anos, produzir 100 milhões de litros de álcool por ano, gerar 1,5 mil empregos diretos e indiretos. Estas são as principais metas do empreendimento. “Os estudos da Fepagro (Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária) demonstram a aptidão para usina de álcool no Rio Grande do Sul, o que para nós já era uma certeza há mais de dois anos”, defende Cláudio Morari, diretor-presidente da Norobios, braço industrial do projeto que engloba ainda a Canasul, o grupo Rede Energia (com sede em São Leopoldo e responsável por uma rede de 40 postos de revenda de combustíveis na região metropolitana de Porto Alegre), além da Sultepa, empresa que atua há mais de 50 anos no mercado de construção civil.

O início das obras da usina está previsto para o começo do próximo ano, tão logo esteja concluído o processo de licenciamento ambiental junto à Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler (Fepam). A estimativa é de que até abril de 2011 a unidade entre em operação. “Teremos colheita 100% mecanizada, sem queima de cana, conforme prevê a legislação. Isso vai demandar em torno de 20 colhedoras”, explica Morari.

O projeto prevê também o uso do bagaço da cana para a produção de bioenergia. “Teremos capacidade para 30 megawatts de co-geração de energia por hora”, projeta. Já a vinhaça, rica em potássio, deve ser aproveitada para fertirrigação.

VANTAGENS E DESAFIOS

Nos dois últimos anos foi possível testar o comportamento de diversas variedades quanto à adaptação ao clima e ao tipo de solo da região. “Em nível comercial as que apresentaram melhor desempenho foram a RB855156, RB855536, RB855453, RB855345, RB956911, RB72454, RB928064, RB 845210 e SP81-3250”, explica o consultor Roberval Carvalho, engenheiro agrônomo, com 30 anos de experiência na cultura da cana-de-açúcar. A produtividade obtida em São Luiz Gonzaga alcançou até 167 toneladas por hectare, “A média de produtividade esperada nos plantios comerciais nos seis cortes previstos em função de padrão de solos, clima, variedades e época de plantio, está sendo estimada em 82 toneladas por hectare”, relata.

Para Carvalho, mais que desafio, a produção de cana no Rio Grande do Sul apresenta vantagens. “O que precisa é fazer o manejo adequado. A geada, por exemplo, pode ser usada como maturador natural. Aqui não precisa de irrigação como em outras regiões, não se tem problemas com déficit hídrico, solo, topografia e logística”, cita.

Se os picos com frio podem ser superados com manejo, na avaliação do especialista restam pelo menos mais duas dificuldades para serem transpostas: quebrar paradigmas em uma região tradicionalmente produtora de grãos e qualificar a mão-de-obra. “O entrave não é a parte técnica, mas treinar pessoas que não estão acostumadas com este tipo de cultivo para operar os equipamentos”, lembra.

DOS GRÃOS À CANA

A fazenda da Agropecuária Copagril, distante sete quilômetros do centro de São Luiz Gonzaga, foi o ponto de partida da produção de cana no município. “Aqui foi plantado o primeiro pólo”, relata o engenheiro agrônomo Marcondes Picoli. Com área de 1,2 mil hectares dedicada à agricultura, a propriedade tem projeto para chegar ao plantio de até 300 hectares com cana. O restante deve continuar a ser utilizado para o cultivo de grãos como soja, milho, trigo e aveia.

O produtor Luiz Antonio Mattione é outro que abraçou o projeto. Proprietário de uma área de mil hectares, onde explora pecuária e cultivo de soja, trigo e milho, busca na cana-de-açúcar mais uma alternativa de renda. “É preciso diversificar”, defende Mattione, que até 2011 pretende dedicar 200 hectares de sua propriedade à produção de cana.

CHUVA NA COLHEITA

Além de vencer as barreiras para a produção da cana-de-açúcar, outro desafio enfrentado pelos produtores de São Luiz Gonzaga se refere aos picos de chuva registrados na região durante o período de colheita. Tal cenário exige pressa, para aproveitar os dias de tempo seco, o que demanda colhedoras que estejam prontas para entrar na lavoura assim que a chuva parar.

Os primeiros testes com máquina de grande porte começaram a ser realizados com uma colhedora JD 3510 cedida pela John Deere. Em setembro ocorreu um dia de campo, para que produtores do município pudessem acompanhar de perto o funcionamento da máquina.

A John Deere possui Unidade de Negócios Cana em Ribeirão Preto (SP) com um grupo de profissionais voltados à cultura. “Temos visto que a cana atingiu sua área em São Paulo e está migrando para outros estados. No caso do Rio Grande do Sul, a cana já é tradicional, mas ainda não na escala de produção que se pretende em São Luiz Gonzaga. Sem entrar no campo da discussão agronômica, apostamos na sua viabilidade de produção em qualquer parte do Brasil, desde que haja empresários dispostos a levar o empreendimento adiante. Mas nossa participação se dá como um dos elos, no que diz respeito especificamente à mecanização”, explica Werner Santos, diretor comercial da John Deere para o Brasil.

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