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Bautista Vidal, o etanol e a crise da Petrobras

Tive oportunidade de conhecer pessoalmente Bautista Vidal. Levei a ele o meu livro, A Economia Política do Etanol, para que pudesse dar sua opinião antes de publicá-lo. As conversas eram intermináveis. Duravam horas. Seu conhecimento sobre o etanol era técnico, mas, também, político dotado de uma visão estratégica e de dimensão na geopolítica.

Sobre o etanol estávamos de acordo em varias questões, mas, especialmente em duas delas de relevância: o estimulo para a implantação de 1 milhão de micro destilarias e a criação de empresa de economia mista para tratar apenas do etanol, a Etanolbras.

Mostrei ao Bautista o calculo econometrico publicado em meu livro sobre o impacto no PIB da geração de 1 milhão de microdestilarias e ele ficou impressionado chegando a dizer que era importante mostrar os números à Lula, então presidente naquela época. Acreditava que se o Lula se convencesse em mudar os rumos da política do etanol e estimulasse a criação de micro destilarias, quebrando o monopólio existente, certamente, poderia fazer a maior obra de seu governo com uma repercussão social e ambiental sem precedentes. Ele estava disposto a marcar uma audiência com Lula para tratar desse assunto, mas, não conseguiu.

Outra questão era sobre as dificuldades e complicações que a Petrobrás sempre criou em relação ao etanol. E não era somente isso, existe por sinal toda um emaranhado de instituições tratando do etanol. Fatiaram institucionalmente o programa do etanol: o Ministério das Minas Energias trata de uma questão, o Ministério da Agricultura trata de outra e a Petrobrás trata ainda de outra. Ou seja, uma verdadeira salada institucional. Para ele era necessário criar a Etanolbras, unificando a política em um único órgão.

Bautista foi o criador do Pro-Alcool, na época do presidente Geisel. Era o Secretario de Tecnologia, responsável pelo desenvolvimento de pesquisa e tecnologias voltados à produção do álcool como combustível. Contava que tinha sobre o seu comando dois grandes centros de pesquisa e mais de mil e quinhentos pesquisadores trabalhando no programa do álcool. O Brasil, como se sabe, depois da crise do petróleo, partiu na frente e foi o pioneiro na produção em grande escala do álcool como combustível. Com isso, evidentemente, ganhou dianteira em relação aos outros paises e caminhava célere para se transformar na maior potencia na produção de energia alternativa e limpa. O Pro-alcool ganhava consistência e presença no cenário nacional. Em pouco tempo a maioria dos carros vendidos pela industria automobilística era movido somente a álcool (naquela época, não existia o carro flex). As pesquisas se deslanchavam. O Pro-alcool começou a incomodar, segundo Bautista. Incomodou tanto que Henry Kissinger, o todo poderoso secretario de estado do governo Nixon mandou chamar o embaixador brasileiro e lhe disse: ” parem com essa brincadeira!” Segundo, Bautista, depois dessa reprimenda, desativaram tudo, os centros de pesquisa e demitiram os pesquisadores. Bem, o resultado todos nos sabemos: não passou muito tempo o Pro-alcool desabou, só retornando sob novas roupagens, mais de quinze anos depois.

Agora, com a política desastrosa do atual governo em relação à política do etanol, volta a perder terreno e espaço não só a nível nacional como internacional. A nível interno o programa esta atrelada à política macro econômica de combate à inflação e diminui sua procura pelos consumidores em relação ao consumo de gasolina. O preço do etanol não é competitivo na maior parte dos estados e os donos de carros flex preferem abastecer seus carros com a gasolina. Com isso, a Petrobrás tem que importar gasolina a um preço maior do que vende no mercado interno, acumulando um déficit de US$ 5,4 bilhões ate maio, o pior resultado desde 1993. A Petrobrás já acumula um rombo de mais de 11 bilhões de dólares nas transações de petróleo e derivados com outros paises. Grande parte desses prejuízos se deve a importação de gasolina para garantir o abastecimento interno diante do aumento da demanda dos detentores de carros flex, mas que deixaram de abastecer seus carros com etanol.

Para desespero e perplexidade de quem batalhou para transformar o Brasil na maior potencia de energia limpa e renovável, agora, tem que curvar para uma outra realidade: o país perdeu espaço para os EUA que produz quase o dobro da produção atual brasileira. Não foi por nada que Kissinger mandou parar com o programa do álcool naquela oportunidade. A grande nação não podia permitir que um país emergente pudesse liderar o processo de produção de energia limpa e renovável no mundo. Bautista estava certo. Se isso tivesse acontecido à geopolítica do mundo hoje seria outra. Bautista Vidal veio a falecer na semana passada.

Fernando Safatle – economista

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