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Homem de Melo dispara contra política macroeconômica

A atual política macroeconômica sustentada pelo governo Lula é um desastre tão grande para a agricultura quanto foi a linha adotada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso em seu primeiro mandato, de 1994 a 1998. O diagnóstico é de Fernando Homem de Melo, professor titular da Faculdades de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP).

Para Homem de Melo, a malfadada receita hoje defendida pelo ministro Palocci (Fazenda), baseada em elevada taxa básica de juros e real apreciado – a entrevista foi realizada antes da turbulência cambial de ontem (dia 11) -, foi a maior responsável pela crise vivida por alguns segmentos do agronegócio neste ano. Na opinião do professor, a boa notícia é que os rumos podem ser alterados e o campo brasileiro, um dos mais competitivos do mundo, pode tranqüilamente retomar o avanço do início da década, impulsionado pela desvalorização do real, em 1999. A má notícia é que em sua visão uma mudança de rota parece distante.

É óbvio que Homem de Melo entende os motivos que levam o governo a insistir na atual receita macroeconômica, da qual não é o único crítico. Mas ele observa que, a perdurar principalmente o real valorizado em relação ao dólar, a queda de receita dos produtores agropecuários vai se aprofundar e fatalmente as exportações acabarão golpeadas. Como o agronegócio tem sido o principal sustentáculo do superávit comercial brasileiro nos últimos anos, diz, as consequências em um cenário como esse passam a ser mais profundas e nocivas.

“A agricultura, hoje, é refém da política macroeconômica do governo. E esta política é desfavorável, muito mais do que a política agrícola microeconômica”, afirma. Homem de Melo se refere às recorrentes reclamações dos produtores sobre o insuficiente volume de crédito rural disponibilizado pelo governo federal em seus Planos de Safra. Para 2005/06, por exemplo, há programados R$ 44,35 bilhões entre recursos com juros livres e controlados – foram R$ 39,45 bilhões em 2004/05 -, mas o Ministério da Agricultura informa que a liberação desse montante depende do pagamento de dívidas passadas, ainda em discussão.

Para justificar sua posição sobre o peso da política macroeconômica inclusive sobre o financiamento da atividade agrícola no país, o especialista lembra que já há algum tempo o crédito rural representa apenas cerca de um terço das necessidades totais de capital dos produtores. Outro terço é financiado pelos próprios agricultores, com recursos próprios, e a fatia restante é financiada por agroindústrias, incluindo tradings e fabricantes de insumos. “A política macroeconômica afeta a receita dos produtores. Portanto, prejudica os aportes realizados com recursos próprios”. Cálculo tabulado em junho por José Garcia Gasques, coordenador de planejamento estratégico do Ministério da Agricultura, mostra que a receita agrícola (“da porteira para dentro”) das 20 principais lavouras brasileiras deverá atingir R$ 97,7 bilhões em 2005, ante os R$ 109,9 bilhões de 2004 e os R$ 115 bilhões de 2003.

No caso da soja, carro-chefe do campo brasileiro e locomotiva das exportações dos agronegócios, a planilha de Gasques aponta receita de R$ 25,9 bilhões neste ano, ante R$ 33,2 bilhões em 2004 e R$ 36,1 bilhões em 2003. Em seguida vem a cana, atualmente beneficiada pelos bons preços e demanda de açúcar e álcool, com receita prevista em R$ 13,1 bilhões em 2005, contra R$ 12 bilhões em 2004.

Mas Homem de Melo também critica os próprios produtores, principalmente os de soja, que em 2003 e 2004 tiveram aumento significativo de renda agrícola e que em 2005 organizaram protestos pelo país em busca de renegociação de dívidas. Ele reconhece que muitos deles, sobretudo os do Sul do país, estão em difícil situação por conta da combinação entre política macroeconômica desfavorável, custos elevados e quebra da produção provocada por problemas climático, mas viu nas mobilizações outros tantos agricultores de regiões que colheram boas safras. “O agricultor precisa aprender a ser mais prudente. Na crise atual, os pedidos de renegociação de dívidas mostram que alguns ou foram imprudentes ou aproveitaram o momento politicamente fraco do governo para pressionar”.

No processo de renegociação – “há uma cultura de renegociação no Brasil, um mal histórico que trata diferentes situações de maneira idêntica” -, Homem de Melo critica particularmente a intervenção do governo na rolagem dos débitos de produtores com seus fornecedores de insumos, por meio de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). “É um erro do governo intermediar a renegociação de dívidas entre agentes privados”.

Nessa conjuntura e apostando em queda da taxa básica de juros do país apenas a partir de setembro, Homem de Melo afirma que as perspectivas para a safra 2005/06 não são nada boas. Ele faz coro com os que prevêem queda de área plantada na temporada, mas acredita que a desaceleração, dependendo da política macroeconômica, pode não passar de um “tropeço”. “É preciso plantar com muito cuidado a safra 2005/06, que pelo menos terá insumos mais baratos por conta do mesmo câmbio que poderá tirar dinamismo das exportações. Mas, no médio prazo são boas as perspectivas para o campo, desde que o BC [Banco Central] pare de olhar só a inflação e [olhe também] crescimento, emprego e salário. A produção agropecuária brasileira é extremamente competitiva, mesmo produtos considerados primários têm valor agregado e há investimentos em pesquisa que têm de ser preservados – como é o caso da Embrapa”.

Homem de Melo dá mais dois alertas: o primeiro é que não é possível reduzir investimentos em defesa animal e vegetal, até porque as barreiras sanitárias hoje podem perfeitamente bem ser usadas como protecionismo disfarçado; o segundo é que o “ambientalismo extremado” também não pode se transformar em obstáculo ao crescimento da agricultura brasileira.

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