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Cana boa e limpa. É só moer

Um barracão no Jardim Zara, zona Norte de Ribeirão Preto, recebe, a cada semana, 15 mil quilos da variedade 3250. Ali, a cana procedente de Cajuru, é limpa, cortada e distribuída, em feixes, para 35 garapeiros. No total, são, aproximadamente, 1.500 feixes. Cada feixe, com doze canas, produz entre seis e dez litros de garapa, dependendo da grossura dos gomos. Estipulando a média de oito litros por feixe, Ribeirão consome 12 mil litros da bebida a cada sete dias. Quase 1,8 mil/dia.

O serviço de limpeza e entrega da cana é feito por Cleiton Alves de Jesus, 33 anos. Ele iniciou na atividade quando tinha 17 anos, em barracão alugado de terra batida, com trabalho totalmente manual. Cresceu e hoje possui imóvel e adquiriu uma máquina de R$ 40 mil para limpar a cana. Ele compra o feixe por R$ 5 e vende a R$ 10.

Por sorte, tem ao lado uma mulher valente, que nasceu no sítio (Cássia dos Coqueiros). É Juliana de Fátima de Jesus, 32, que passa a 3250 na máquina. O marido faz o corte. O trabalho se repete dia após dia – incluindo domingos e até feriados.

“As entregas são diárias porque a cana, depois de limpa e cortada, dura dois dias. Em estado bruta, pode durar até oito dias”, explica Cleiton.

Seus maiores clientes estão na região central de Ribeirão. O Tim do Mercadão Central, por exemplo, compra de 30 a 40 feixes por dia; o Abel, de 10 a 20; o Leonardo, da avenida Henri Nestlé, na zona Norte, de oito a dez feixes/dia; João Garapeiro, cinco feixes; e dona Angelina, dois.

No fim, todos ganham. Infelizmente, neste ciclo de vida que sustenta famílias e educa filhos, quem está perdendo é a 3250, praticamente condenada ao extermínio por causa de uma doença conhecida como ferrugem alaranjada.

Em 60, Angelina ganha ponto

Ribeirão Preto, 1960. O prefeito Alfredo Condeixa Filho ajeita-se na principal cadeira do Palácio Rio Branco para cumprir seu segundo mandato. Logo na primeira semana depois da posse, o casal Joaquim Cinco e Angelina Marchini Cinco é autorizado a montar um ponto de garapa ao lado da Prefeitura.

“Fiquem tranquilos. Ninguém vai tirá-los daqui”, sentenciou Condeixa.

Dona Angelina, 84 anos, lembra que onde hoje é o Fórum, existia um grande matagal. Atrás da rua General Osório, seguindo pelos lados de onde fica o Cine Cauim, estendia-se uma espécie de favela, de construções feias e rudes. Havia algumas pensões de “reputação” duvidosa. As ruas eram calçadas ou de terra.

Há 53 anos no mesmo ponto

Dona Evangelina, a garapeira mais antiga em atividade, em Ribeirão Preto, está há 53 anos no mesmo lugar, na praça Rio Branco, esquina da General Osório com a Cerqueira César.

Durante 36 anos, simultâneamente, também atendeu na Feira Livre 1, na avenida Independência, aos domingos, extinta na administração do prefeito João Gilberto Sampaio.

No seu “ponto” de origem, iniciava a jornada às 9h e encerrava às 17h30. Como hoje. A grande diferença é que Joaquim Cinco não existe mais. Faleceu há 12 anos.

O Studebaker que abriga a moenda de dona Angelina, é de 1951 e está há 42 anos com ela. A moenda também é uma raridade. Foi doada a Joaquim Cinco, pelo garapeiro João Perone, que já estava estabelecido.

João Perone, a partir de 1955, assumiu o “ponto” na Álvares Cabral com Florêncio de Abreu, em frente à mansão de Joaquim Pinto Ferraz, onde ficou 18 anos.

“O João foi um grande homem, passou a moenda para nós. O primeiro caminhão que tivemos foi um Fordinho 29. Aí, compramos o Studebaker”, lembra Angelina, mãe de duas filhas.

É uma delas que a leva ao trabalho de manhã, dirigindo o Studebaker, e vai buscá-la no fim da tarde. A moenda, que já tem 75 anos, recuperada algumas vezes, está ótima. Dona Angelina também tira o sustento com a 3250, a cana-de-açúcar mais “carismática” do Brasil e que, infelizmente, está com seus dias contados.

“A garapa foi o nosso sustento, graças a Deus. Hoje, está um pouco mais difícil, caiu o movimento. Mas, sinceramente, não sei passar o dia sem vir para cá”, confessa dona Angelina.

(Fonte: A Cidade)

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Dona Angelina está há 53 anos no mesmo “ponto”, com o mesmo Studebaker e moenda: ao lado da Prefeitura de Ribeirão (Foto: Matheus Urenha / A Cidade)

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