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Brasil, a doce terra – História do Setor

AÇÚCAR, O DOCE SABOR DO PRAZER

Ao longo dos tempos a doçura sempre foi relacionada com a pureza e com o prazer, como uma das mais agradáveis e sutis sensações. É instintivo, pois de todos os paladares básicos é o único que traz satisfação em todas as intensidades. Basta observarmos um recém-nascido como se comporta diante de um alimento com essa característica. Como fonte de energia para homens e animais, o sabor doce serve de atrativo para que se consumam carboidratos, sendo o açúcar a mais comum dessas substâncias que são essenciais à vida.

Como contraponto a essa sensação, inebriante para muitos, no decorrer da história da humanidade o sabor doce também assumiu o papel daquilo que é perigoso, que é extremado, que é a essência velada do mal, como um artifício para dissimular a verdadeira natureza de coisas, atos, ou pensamentos.

Essas óticas radicais e contrapostas em realidade são a expressão da importância que o açúcar tem tido ao longo dos tempos, pois nenhum outro produto de origem agrícola destinado a alimentação foi motivo de tantas glórias e tragédias, disputas e conquistas, mobilizando ao longo de centenas de anos homens e nações em sua cobiça e que veio encontrar seu lugar ideal em um país do Novo Mundo, o Brasil.

A CANA-DE-AÇÚCAR NA ANTIGUIDADE

Foi na Nova Guiné o primeiro contato com uma planta que seria associada intimamente com a essência da doçura, a cana-de-açúcar. De lá foi levada para a Índia, à região do Golfo de Bengala, de onde se tem os mais antigos registros sobre a sua existência.

No “Atharvaveda”, quarto livro dos Vedas há uma curiosa passagem, onde parecem atribuir à cana-de-açúcar os efeitos de um fetiche de amor: “Esta planta brotou do mel; com mel a arrancamos; nasceu a doçura…..Eu te enlaço com uma grinalda de cana-de-açúcar, para que me não sejas esquiva, para que te enamores de mim, para que não me sejas infiel”.

No “Mahabharata” consta que os bahikas, povo do Pendjab, usavam uma bebida feita diariamente de água de arroz e caldo de cana, que lotava seus mercados.

A palavra “açúcar”, assim como em todos os outros idiomas, é derivado de “shakkar” ou açúcar em sânscrito, antiga língua da Índia

O OCIDENTE DESCOBRE O AÇÚCAR

Desconhecida no Ocidente, a cana-de-açúcar foi observada por alguns generais de Alexandre, o Grande, em 327 a.C e mais tarde, no séc. XI, durante as Cruzadas. Os árabes em sua trajetória de conquistas introduziram seu cultivo no Egito no séc. X e pelo Mar Mediterrâneo, em Chipre, na Sicília e na Espanha. Credita-se aos egípcios, dedicados que eram à química, o desenvolvimento do processo de clarificação do caldo da cana, pelo uso de cinzas e compostos de origem vegetal e animal e o desenvolvimento dos métodos de cozimento, que resultavam em um açúcar de alta qualidade para a época. As informações e evidências dessas técnicas são quase inexistentes pois a produção de açúcar era um grande segredo. Nessa época o açúcar era consumido exclusivamente por reis e nobres na Europa, que a adquiriam de mercadores venezianos e genoveses que detinham o monopólio de seu comércio, pois mantinham relações comerciais desde a época do Império Romano com o oriente, que era a fonte de abastecimento do açúcar.

Graças à escassez e importância como fonte de energia para o organismo, seu comércio era prerrogativa dos médicos, que forneciam a substância em grãos para a recuperação ou alívio dos moribundos. Esse era o retrato do açúcar no início do século XIV, onde há registros de comercialização ou troca de açúcar por quantias que hoje seriam equivalentes a cerca de R$ 200,00 por quilograma. Dessa maneira não era de se estranhar que quantidades de açúcar fossem mencionadas como patrimônio em testamento por reis e nobres e se caracterizasse como presente faustoso em forma de estátuas por ocasião de coroamentos de reis e papas.

O AÇÚCAR NO RENASCIMENTO

Europa através dos artigos vindos do Oriente, entre eles o açúcar, conhecia uma nova realidade de vida e estava rumando para uma nova fase histórica, o renascimento, com a ascensão do comércio, das artes e da visão humanista.

Nesse contexto é que um pequeno reino da Península Ibérica, Portugal, se aventurou aos descobrimentos, motivado pelo lucro do comércio das especiarias.

Nessa época era praticamente impossível transportar mercadorias por via terrestre, pois não haviam estradas nem veículos adequados. Além disso, os senhores feudais cobravam pesados tributos pela passagem por suas terras, quando não incentivavam abertamente o saque de mercadorias. Desta maneira todo o comércio se efetuava por via marítima, em uma rota que se originava no Mediterrâneo, nos limites do domínio árabe e contornava a Europa chegando até ao Porto de Antuérpia e Bruges ao Norte.

Portugal, por sua posição geográfica, era passagem obrigatória para as naus carregadas de mercadorias. Além disso seus reis mantinham bom relacionamento com os comerciantes e financistas, que em outras partes não eram bem vistos, por sua obsessão pelos lucros. Essa preocupação comercial também estimulou a introdução da cana-de-açúcar na Ilha da Madeira, o laboratório do modelo de cultura de cana e de produção de açúcar que mais tarde se expandiria com a descoberta do Novo Mundo, as Américas.

A importância do cultivo de cana na Madeira se acentuou quando em 1453 os árabes tomaram Constantinopla, taxando pesadamente o comércio do açúcar feito pelos venezianos.

A CHEGADA AO BRASIL

Coube a Cristóvão Colombo, navegador genovês e genro de um grande produtor de açúcar na Madeira, a primazia da descoberta da América em 1492, enquanto procurava uma nova rota para as Índias, financiado pela Rainha Isabel da Espanha. Foi ele também que em sua segunda viagem à América (1493) introduziu a cana-de-açúcar na região onde hoje é a República Dominicana. Mas com a descoberta do ouro e prata das civilizações Azteca e Inca pelos espanhóis no início do séc. XVI, o cultivo e a produção de açúcar foram praticamente esquecidos.

Os portugueses, que já se beneficiavam do conhecimento da rota das Índias a leste, se seguiram aos espanhóis no intuito de também se beneficiarem de tão rendosa descoberta e chegaram ao Brasil com Cabral em 1500, no entanto não lograram encontrar metais preciosos, mas tão somente uma exuberante terra, e assim, novamente voltaram sua atenção à Índia e à rentável comercialização de seus artigos e especiarias.

Somente cerca de trinta anos depois, ao verem as novas terras ameaçadas pelas invasões cada vez mais freqüentes de ingleses e franceses na costa brasileira é que os portugueses finalmente decidiram tomar posse efetivamente da terra.

No entanto, isso era demasiadamente oneroso para uma nação tão pequena e com recursos escassos para tal empreitada. Foi assim que se implantou o modelo de ocupação que os portugueses já haviam experimentado com êxito na Ilha da Madeira, a produção de açúcar, que devido ao seu alto valor, geraria recursos para a manutenção da posse da Colônia.

Esse modelo estava baseado em largas extensões de terra, mão de obra escrava e uso extensivo dos recursos naturais existentes, como madeira e água, imprescindíveis para a produção de açúcar com a tecnologia disponível na época.

Oficialmente, foi Martim Affonso de Souza que em 1532 trouxe a primeira muda de cana ao Brasil e iniciou seu cultivo na Capitania de São Vicente. Lá ele próprio construiu o primeiro engenho de açúcar, denominado de “Governador” e depois “São Jorge dos Erasmos”. Mas foi efetivamente no Nordeste do Brasil, principalmente nas Capitanias de Pernambuco e da Bahia que os engenhos de açúcar se multiplicaram.

Era o início de uma indústria que encontrou no Brasil, dentre todas as nações que mais tarde também se tornariam produtoras, seu campo mais fértil para uma rápida expansão e perpetuação por quase quinhentos anos sem interrupção.

BRASIL, MONOPÓLIO DO AÇÚCAR

Após um início repleto de dificuldades e tentativas frustradas, a produção de açúcar prosperou e passados menos de cinqüenta anos o Brasil já detinha o monopólio mundial da produção, assegurando a Portugal e também aos holandeses que comercializavam o açúcar, uma elevada lucratividade.

A Europa enriquecida pelo ouro e prata oriundos do Novo Mundo demandavam cada vez mais açúcar. As regiões produtoras, que hoje compreendem desde a Bahia até os estados do Nordeste se beneficiaram e cidades como Salvador e Olinda rapidamente prosperaram. Na Europa as refinarias se multiplicavam, como exemplifica o fato das autoridades de Lisboa terem proibido a construção de novas refinarias em 1559, pelo excessivo consumo de lenha e clara de ovos, esta usada como clarificante do caldo, assim como, sangue de boi, ossos e gordura de galinha.

No entanto, um fato em 1578 iria mudar o rumo dos acontecimentos; a inesperada morte de D.Sebastião, Rei de Portugal, na mal sucedida Batalha de Alcazar possibilitou a Felipe II, Rei de Espanha, anexar Portugal. Embora não se preocupasse com as atividades açucareiras no Brasil, Felipe II, católico fervoroso se opunha ferozmente aos holandeses e aos ingleses, protestantes.

As dificuldades de abastecimento aos comerciantes holandeses não tardaram e estes decididos a não perderem os lucros da comercialização do açúcar acabaram por invadir o Brasil em 1630, permanecendo em Pernambuco até 1654, quando foram expulsos. Nesse intervalo Portugal assinou vários acordos secretos com os ingleses para assegurarem a proteção da marinha britânica enquanto travavam uma luta para se libertarem dos espanhóis.

Esses fatos fizeram com que os holandeses dessem início à produção açucareira no Caribe e mais tarde os próprios ingleses e franceses, acabando com o monopólio do açúcar do Brasil.

A descoberta do ouro no final do séc. XVII nas Minas Gerais retira do açúcar o primeiro lugar na geração de riquezas, cuja produção se retrai até o final do séc. XIX.

Mesmo assim, considera-se que no período do Brasil Império de (1500-1822) a renda obtida pelo comércio do açúcar tenha atingido quase duas vezes à do ouro e quase cinco vezes à de todos os outros produtos agrícolas juntos, tais como café, algodão, madeiras, etc., perfazendo um total aproximado de 300.000.000 de libras esterlinas.

SÉCULO XVIII, A CONCORRÊNCIA AO BRASIL AUMENTA

A partir do início do séc. XVIII a produção nas ilhas do Caribe e nas Antilhas cresce e o Brasil perde sucessivamente posições em importância na produção mundial. Inglaterra e França disputam em suas colônias os primeiros lugares na produção. A Inglaterra já é uma grande potência naval e domina os mares. Os holandeses perdem pontos estratégicos no comércio de açúcar. O Haiti, colônia francesa no Caribe é o maior produtor mundial.

As treze colônias americanas que mais tarde vão dar origem aos EUA, lutam com dificuldade, apesar de um comércio crescente com as colônias produtoras de açúcar no Caribe e nas Antilhas, fornecendo tecidos, animais e madeira, materiais escassos nas ilhas já devastadas por anos contínuos de exploração desenfreada de seus recursos. Em contrapartida compram melaço, matéria prima para o Rum, que fornecem para a marinha inglesa.

Esse comércio crescente é ignorado pelos ingleses e concorrem para o fortalecimento econômico das colônias americanas e foram fatores decisivos não só para sua posterior independência , como para o surgimento da grande nação da América do Norte. Os ingleses tomam Cuba dos espanhóis em 1760 e em um período inferior a um ano em que ocupam a ilha antes de devolve-la, dobram o número de escravos e tornam Cuba um dos maiores produtores mundiais de açúcar.

Em 1791, uma violenta revolução de escravos no Haiti aniquila completamente sua produção de açúcar e os franceses expulsos vão para a Louisiana, dando início a indústria açucareira norte-americana.

O Brasil não está no centro dos acontecimentos mas continua entre os cinco maiores produtores.

AÇÚCAR DE BETERRABA E A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL, A AMEAÇA À PRODUÇÃO DO NOVO MUNDO

No início do séc. XIX, Napoleão domina a Europa. Seus inimigos, os ingleses, promovem o bloqueio continental em 1806, graças ao seu maior poder naval. Impedido de receber o açúcar de suas colônias ou de outros lugares além mar, Napoleão incentiva a produção de açúcar a partir da beterraba, graças à técnica desenvolvida por Andrés Marggraf, químico prussiano, em 1747.

Assim, finalmente a Europa não dependeria mais da importação de açúcar de cana de outros continentes. Por outro lado, em plena revolução industrial, o uso do motor a vapor acionando as moendas construídas em aço (John Stewart-1770), a evaporação múltiplo-efeito (Norbert Rillieux-1846), o cozedor a vácuo (Charles Howard-1812) e as centrífugas para separação do açúcar (Penzoldt-1837), possibilitaram às novas indústrias tanto de beterraba, como de cana, um novo patamar tecnológico de produção e eficiência, impossível de ser atingido pelos engenhos de açúcar de cana tradicionais, baseados em moendas de madeira movidas por animais ou rodas d=água, tachos de cozimento abertos, aquecidos a fogo direto e purga de méis por gravidade.

Aliado a esses fatores, o fim da escravatura, trágica história de milhões de negros africanos, sepultava definitivamente o modelo de produção vigente por quatro séculos. Enquanto as modernas fábricas se multiplicavam e novas regiões produtoras surgiam, como a África do Sul, Ilhas Maurício e Reunião, Austrália e diversas outras, notadamente em colônias inglesas, francesas ou holandesas, no Brasil os engenhos tradicionais ainda persistiam, ainda que agonizantes. Somente na metade do século XIX é que medidas para reverter essa situação começaram a ser tomadas.

OS ENGENHOS CENTRAIS ANTECEDEM AS USINAS

O imperador do Brasil, D.Pedro II era um entusiasta das novas tecnologias e em 1857 foi elaborado um programa de modernização da produção de açúcar baseado em um novo conceito produtivo. Assim surgiram os Engenhos Centrais, que deveriam somente moer a cana e processar o açúcar, ficando o cultivo de cana exclusivamente por conta dos fornecedores. Nessa época Cuba liderava a produção mundial de açúcar de cana com 25% do total e o açúcar de beterraba produzido no Europa e EUA significava 36% da produção mundial. O Brasil contribuía com apenas 5% de um total de 2.640.000 t de açúcar em 1874.

Foram aprovados 87 Engenhos Centrais e efetivamente implantados 12 projetos. O primeiro deles, Quissamã, localizado na região de Campos, entrou em operação em 1877 e está em atividade até os dias de hoje. Mas a grande maioria não teve a mesma sorte. O desconhecimento operacional dos novos equipamentos, a falta de interesse dos fornecedores, que preferiam produzir aguardente ou mesmo açúcar pelos velhos métodos, além de um custo excessivo representado pela aquisição de lenha para as caldeiras, que muitas vezes era consumida em volume quase que equivalente à da cana moída, contribuíram decisivamente para a derrocada do modelo proposto para os Engenhos Centrais.

Em sua maioria acabaram sendo arrematados pelos próprios fornecedores de equipamentos ou por seus prepostos, como aconteceu com o Engenho Central de Piracicaba, Porto Feliz, Raffard e Lorena, adquiridos pelos próprios franceses que os montaram, surgindo assim logo no início do séc. XX a Cia. Sucrerie que rapidamente se tornou a maior produtora de açúcar de São Paulo.

As novas indústrias assim constituídas também tinham cana própria, tornando-as mais independentes de fornecedores. A essas novas unidades somaram-se outras, de iniciativa privada, tanto no Nordeste, que concentrava o grosso da produção brasileira, como em São Paulo. Essas novas unidades foram denominadas de “usinas de açúcar”. Mesmo com as novas usinas em operação, não foi possível fazer frente à expansão do açúcar de beterraba, que por volta de 1900 ultrapassava mais de 50% da produção mundial.

Mas novamente um fato histórico iria alterar esse panorama, a eclosão da I Guerra Mundial em 1914, que provocou a devastação da indústria de açúcar européia, principalmente a do norte da França. Esse fato provocou um aumento do preço do açúcar no mercado mundial e incentivou a construção de novas usinas no Brasil, notadamente em São Paulo, onde muitos fazendeiros de café desejavam diversificar seu perfil de produção.

OS IMIGRANTES E A INDÚSTRIA AÇUCAREIRA PAULISTA

No final do séc. XIX o Brasil vivia a euforia do café, nada menos de 70% da produção mundial estavam concentrados em suas terras. Após a abolição da escravatura o governo brasileiro incentivou a vinda de imigrantes europeus com a finalidade de suprir a mão de obra necessária às fazendas de café, que na época já se concentravam no interior paulista. Esses imigrantes foram com o passar do tempo adquirindo glebas de terra e assim podiam eles próprios desenvolver sua própria atividade agrícola.

Grande parte deles, em sua maioria de origem italiana, optou então pela produção de aguardente a partir da cana-de-açúcar, produto de comércio fácil e de boa rentabilidade. Inúmeros engenhos então se concentraram na região compreendida no quadrilátero formado entre Campinas, Itu, Moji-Guaçú e Piracicaba. Mais ao norte do estado, nas vizinhanças de Ribeirão Preto, novos engenhos também se formaram.

Na virada do século, com terras menos adequadas ao café, Piracicaba, que também já possuía em sua região três dos maiores Engenhos Centrais do estado e usinas de porte como a Ester, a Santa Bárbara e a Monte Alegre, rapidamente se tornou o maior centro produtor de açúcar de São Paulo. A partir da década de 10, impulsionadas pelo crescimento da economia paulista, os engenhos de aguardente foram rapidamente se transformando em usinas de açúcar, dando origem aos grupos produtores mais tradicionais do estado na atualidade.

Foi nessa época, 1910, que Pedro Morganti, juntamente com os irmãos Carbone e outros pequenos refinadores de açúcar formaram a Cia. União dos Refinadores, uma das primeiras refinarias de grande porte do Brasil.

Em 1920, um imigrante italiano com experiência em usinas de açúcar, que originalmente viria trabalhar na Usina Amália, de Francisco Matarazzo, também um dos pioneiros da indústria paulista, acabou indo para a Usina Santa Bárbara. Lá tomou uma iniciativa que se tornaria fundamental para o desenvolvimento da indústria açucareira brasileira, fundou em Piracicaba uma oficina mecânica que logo depois se transformaria na primeira fábrica de equipamentos para a produção de açúcar no Brasil. Esse pioneiro era Mario Dedini.

O CRESCIMENTO, RISCO DE SUPERPRODUÇÃO E O I.A.A

Essa expansão da produção também ocorria no Nordeste, concentrada nos Estados de Pernambuco e Alagoas. As usinas nordestinas eram responsáveis por toda a exportação brasileira e ainda complementavam a demanda dos estados do sul, cuja produção ainda não era suficiente para atender o consumo. Modernas usinas como a Central Leão em Alagoas e a Central Barreiros em Pernambuco haviam sido integralmente importadas, juntamente com a infra-estrutura ferroviária e mesmo o material para os edifícios, tudo em regime Aturn-key@.

A produção do Nordeste somada à de Campos no norte fluminense e a rápida expansão das usinas paulistas acenavam para um risco eminente, a superprodução. Foi com o intuito de controlar a produção que surge então o IAA-Instituto do Açúcar e Álcool, criado pelo governo Vargas em 1933.

O mecanismo de controle adotado pelo IAA foi o regime de cotas, onde se atribuía à cada usina brasileira uma determinada quantidade de cana a ser moída , a produção de açúcar e também a de álcool. A aquisição de novos equipamentos ou a modificação dos existentes também tinha de ser autorizado pelo IAA.

Por ocasião da II Guerra Mundial, com o risco representado pelos submarinos alemães à navegação na costa brasileira, as usinas paulistas reivindicaram o aumento da produção para que não houvesse o desabastecimento dos estados do sul.

A solicitação foi aceita e as usinas paulistas nos dez anos subsequentes multiplicaram por quase seis vezes sua produção e no início da década de 50 ultrapassaram a produção do Nordeste, encerrando assim um período de mais de quatrocentos anos de hegemonia produtiva da região que foi o berço para o desenvolvimento da produção açucareira no Brasil.

Foi nesse período que surgiram em São Paulo aquelas que até hoje são as maiores unidades produtoras brasileiras e estão entre as maiores do mundo, como a Usina Da Barra, São Martinho, Iracema, Santa Elisa, Costa Pinto, entre outras.

Esse foi apenas um episódio das disputas sobre o aumento de cotas de produção que marcaram todo o período de existência do Instituto, até sua extinção em 1990.

DÉCADA DE 70, A MODERNIZAÇÃO ACELERADA

Desde a II Guerra Mundial os esforços da indústria açucareira brasileira se concentraram na multiplicação da capacidade produtiva, pois amparada por uma ampla extensão territorial e condições climáticas largamente vantajosas em relação às outras regiões produtoras mundiais, a eficiência produtiva foi relegada a um segundo plano. As constantes alterações na cotação do açúcar no mercado internacional e a obsolescência que já se fazia sentir em usinas que haviam sido montadas e mantidas quase que nos mesmos padrões do início do séc. XX, forçaram a uma mudança de atitude para a manutenção da rentabilidade. Coube à COPERSUCAR, uma cooperativa formada em 1959 por mais de uma centena de produtores paulistas para a defesa de seus preços de comercialização, a principal iniciativa de buscar novas tecnologias para o setor. A indústria açucareira de países como a Austrália e a África do Sul representavam o modelo de modernidade que as usinas brasileiras desejavam e foi principalmente deste último que vieram novidades como a moenda de quatro rolos com alimentação por Donelly, o desfibrador, entre outras. Na agricultura a busca por novas variedades de cana mais produtivas e ao mesmo tempo mais resistentes às pragas e doenças, iniciada em 1926, por ocasião da infestação dos canaviais pelo mosaico, foi também intensificada, assim como teve início o controle biológico de pragas. Entidades como a própria COPERSUCAR, o IAC-Instituto Agronômico de Campinas e o IAA-PLANALÇUCAR foram responsáveis por esses formidáveis avanços. Esse período de renovação culminou com a elevação dos preços do açúcar no mercado internacional que atingiram a marca histórica de mais de US$ 1000.00 a tonelada. Com os recursos decorrentes desse aumento do preço do açúcar foi criado pelo IAA o FUNPROÇUCAR que financiou em 1973 a modernização das indústrias e a maioria das usinas foi totalmente remodelada. Esses fatos foram de importância fundamental para o próprio Brasil enfrentar as Crises do Petróleo que se seguiram a partir de 1973, através do PROÁLCOOL. De modo semelhante ao que ocorreu em São Paulo a partir do início do século, esse programa de incentivo à produção e uso do álcool como combustível em substituição à gasolina CRIADO EM 1975 alavancou o desenvolvimento de novas regiões produtoras como o Paraná, Goiás, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso do Norte. Em menos de cinco anos a produção de pouco mais de 300 milhões de litros ultrapassou a cifra de 11 bilhões de litros, caracterizando o PROÁLCOOL como o maior programa de energia renovável já estabelecido em termos mundiais, economizando mais de US$ 30 bilhões em divisas.

NOVOS CONCORRENTES E OS DESAFIOS PARA O PRÓXIMO MILÊNIO

No final da década de 70, surgem novos obstáculos ao mercado açucareiro. As indústrias químicas e farmacêuticas desenvolvem adoçantes sintéticos e para concorrer com o açúcar desenvolvem campanhas publicitárias de largo alcance, voltadas aos consumidores de países de maior renda, procurando realçar as vantagens desses produtos não calóricos para a manutenção da estética e do padrão de saúde de seus usuários, em detrimento do açúcar. Paralelamente nos EUA, o principal mercado consumidor de açúcar no mundo, desenvolve-se a produção de xaropes de frutose, obtidos a partir do milho, para uso industrial, substituindo o açúcar em alimentos e refrigerantes. No início da década de 80, em menos de cinco anos o xarope de frutose, HFCS, em suas diversas formulações ocupou mais de 50% do mercado que originalmente era do açúcar. Nos dias de hoje, praticamente 70% do milho produzido nos EUA, que também é o maior produtor mundial desse cereal, é destinado à produção de xarope de frutose e álcool combustível, elevando os EUA à condição de segundo maior produtor mundial de álcool (7 bilhões de litros). Esses novos produtos, suas campanhas e o pequeno incremento na demanda mundial de açúcar, sempre abaixo da elevação dos níveis de produção forçam inexoravelmente seu preço para baixo, atingindo os menores patamares da história recente.

As usinas do Brasil se beneficiam de terem o álcool como salvaguarda, pois sendo produzido diretamente a partir da fermentação do caldo de cana ou pela diluição de méis resultantes da produção de açúcar, proporciona maior recuperação do total dos açúcares contidos no caldo da cana, aumentando não só a eficiência, mas também possibilitando a simplificação da produção de um açúcar de melhor qualidade e conseqüentemente aumentando a rentabilidade relativa.

Ainda assim, apesar das dificuldades, da globalização, da rápida mudança de paradigmas a que está submetida, a indústria açucareira brasileira continua crescendo a largos passos. Sua liderança na produção açucareira mundial neste final de milênio é inconteste, são mais de 300.000.000 de toneladas de cana moídas anualmente em pouco mais de 300 unidades produtoras, 17 milhões de toneladas de açúcar e 13 bilhões de litros de álcool produzidos. Suas unidades produtoras são modernas, o uso de tecnologias de ponta como a automação e a informática são intensivas e crescentes, tanto na agricultura como na indústria. A procura por diferenciação e produtos com maior valor agregado é constante. Novos sistemas de administração e participação no mercado são rapidamente incorporados. O setor não mais se acomoda à resignação do passado, busca por novas alternativas, como a cogeração de energia elétrica.

É a verdadeira reafirmação histórica de uma nação e de um setor que se mantém altivo, enfrentando os mais diversos desafios nestes quase cinco séculos de atividade, destinado que foi a ser a fonte desse produto que mesmo sendo farto e barato nos dias de hoje, não perde a nobreza e o fascínio que desde tempos remotos exerce sobre a humanidade.

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